A convite da Compolítica, pesquisadores e pesquisadoras associadas refletem sobre a comunicação e política em tempos de pandemia.
Boa leitura!
Do diálogo de surdos às pontes comunicativas (“e o pulso ainda pulsa”)*
Fernando Lattman-Weltman
Professor e pesquisador do Instituto de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Em diálogo com meu pequeno ensaio publicado há algumas semanas, na série “Especial Coronavírus”, meus queridos colegas Arthur Ituassu e Wilson Gomes nos brindam com belas aulas e ensaios sobre as transformações do Público e da (in)comunicação na contemporaneidade, sugerindo, inclusive, novas leituras e re-leituras a partir da minha provocação original, e que certamente contribuem para manter o debate mais interessante e em alto nível.
Cabe-me apenas fazer alguns esclarecimentos (e quem sabe, contribuir para manter o debate em aberto para outros desdobramentos).
Começando pelo segundo, o comentário de Wilson “Dumbledore” Gomes, acho que ele me oferece algumas carapuças interessantes – “racionalista/realista da melhor cepa” – com as quais não consigo me identificar totalmente, apesar de minhas eventuais contradições performativas, mas que obviamente de modo algum me ofendem (afinal, do jeito que as coisas andam, ainda é melhor ser confundido com um “relutante habermasiano desejoso de se juntar às legiões deliberativas mineiro-frankturtianas” do que com certas alternativas filosóficas hoje mais populares e up-to-date...).
Mas o importante é reconhecer que se por um lado sigo me perfilando eticamente neste mesmo lado de cá do muro – ou abismo – frequentado há muito, e coerentemente, por Meister Gomes (embora talvez não necessariamente com as mesmas perspectivas políticas ou partidárias mais circunstanciais), por outro, continuo achando que há algumas diferenças mais ou menos sutis, mas importantes, entre minhas hipóteses – confesso, algo apocalípticas – sobre o cenário comunicacional contemporâneo, e a visão “integrada”, porém crítica, com que ele ainda enxerga luz no fim do túnel do corrente diálogo de surdos. Acima de tudo, talvez não tenha deixado suficientemente claro em meu esboço, que ao contrário de Gomes, o fulcro do problema para mim é menos filosófico, ético ou cognitivo – tal como ele brilhantemente desenvolve em sua réplica – do que pura e propriamente civilizacional e, portanto, político em sentido mais radical. Em suma: a maré está muito mais para Carl Schmitt do que para Robert A. Dahl…
Arthur Ituassu também parece compartilhar de visões mais otimistas sobre o contexto comunicacional. Nada intrinsecamente contra.
Ao final de seu texto, porém, não fiquei bem certo se ele sugere que eu não estaria assim tão interessado em realmente entender a transformação da comunicação em curso, apenas decretando peremptoriamente o fim da “esfera pública”. Se for mesmo este o sentido que pretendeu dar a seu último parágrafo, fico feliz de constatar ao menos que também aqui minha provocação funcionou.
Quanto a não procurar entender, esclareço que obviamente não se trata disso.
Se não, por que provocar? Ou seja, mais um objetivo alcançado com o texto (e com lucro, graças aos colegas).
Mas o que realmente me importava quando escrevi o artigo era atentar para o que chamei de abismo, ou abismos de sentido no “diálogo” “público” contemporâneo, e de suas implicações políticas, teóricas e conceituais mais gerais.
Nesse sentido, é muito interessante perceber que ao invocar Dewey e Lippmann, o colega da Gávea faz feliz referência a um debate e a um contexto histórico de cerca de um século atrás, em que, não por acaso (e com evidente importância para a nossa reflexão atual), o mundo vivia os processos inegavelmente relacionados de certa revolução tecnológica – com o advento do rádio, dos cinejornais, e do progresso das novas técnicas de propaganda massificada –, e de crise da democracia liberal, com o avanço das forças radicais e opostas do comunismo (soviético) e do fascismo.
Ou seja, muito mais importante para mim do que discutir o destino do conceito de “esfera pública”, ou diagnosticar peremptória e exaustivamente o impacto das novas mídias no contexto crítico atual (debate obviamente fundamental, mas que não cabia mesmo abordar então), era destacar a importância de se compreender as linhas gerais (e creio que abissais) do contexto político – e (também) comunicacional – contemporâneo, para além de sua fenomenologia mais imediata ou circunscrita.
Afinal, um dos problemas que, acredito, aflige muitos dos argumentos da área de comunicação política hoje (mas não só ela) – e de modo algum me refiro aqui especificamente aos colegas – é que sobra comunicação, e muitas vezes com alto rigor de análise e pesquisa. Mas sinto falta de um pouco de imaginação e consequência políticas mais amplas, que não a de questões e contextos mais ou menos microscópicos, ou de pura e simples denúncia, excessivamente normativa, acadêmica ou (proto)partidária.
Mas isso já é outra provocação…
*Título e artigo são de responsabilidade do autor